Tuesday, November 24, 2015

E o pulso ainda pulsa...

"Achava que íamos conversar sobre a cirurgia para tirar o nódulo de 5,5 cm que eu tenho no seio esquerdo, porém eu estava enganada. Meu nódulo foi diagnosticado como um tumor maligno. (...) It is what it is. Agora é buscar uma solução para o problema!"(*)

Há um ano atrás eu perdi o chão sob os meus pés. O mundo girou e eu continuei ali, parada, sem saber o que fazer ou pra onde ir. Há um ano atrás eu senti o verdadeiro gosto amargo na boca. Os ouvidos se tamparam, as palavras silenciaram ao passo que a cabeça não parava de funcionar; não parava de pensar. 

Há um ano atrás, em uma segunda-feira de novembro, eu descobri que tinha um câncer dentro de mim. Como se eu tivesse me atirado em uma piscina sem qualquer proteção, com o nariz tampado e de olhos fechados, senti aquele silêncio dentro da água. Sensação de vazio... "é comigo mesmo?". Um instante de silêncio seguido de um turbilhão de pensamentos e medos. Naquele momento, só conseguia ouvir o barulho alto das minhas perguntas. As mãozinhas da minha mãe seguravam a minha, mas eu não conseguia compreender o que estava acontecendo ali.

Parecia que não era comigo. Aliás, para ser sincera, às vezes ainda fecho os olhos e parece que nada aconteceu comigo nesse último ano... parece que vou acordar a qualquer momento e perceber que nada disso aconteceu de verdade e que foi só um sonho esquisito. No entanto, quando olho para a imagem refletida no espelho, vejo uma pessoa diferente e me dou conta de que foi real, de que tudo aconteceu comigo e que eu já não sou mais a mesma pessoa de antes.

É estranho como o controle (ou a ideia dele) sobre a nossa vida, de repente, escapa das nossas mãos e percebemos que não somos nada além de humanos. Humanos que estão sujeitos a qualquer coisa a qualquer momento. 

Há um ano atrás, talvez escondida na minha prepotência disfarçada, eu realmente acreditava que aquele nódulo era só um nódulo e nada demais. Fui para o consultório do médico certa de que após mais alguns exames marcaríamos uma cirurgia simples e que logo aquele caroço estaria fora de mim. Inocência ou ignorância, não sei, só sei que não imaginei que isso poderia acontecer comigo e muito menos daquela maneira. 

E um ano se passou desde que saí do consultório do Dr. Ginecologista impedida de enxergar o chão embaixo dos meus pés por conta das lágrimas que insistiam em cair dos meus olhos. E no espaço desse "um ano" tantas outras lágrimas foram derramadas, mas muitos sorrisos também iluminaram meus dias. Tantas reflexões, tantas confusões de sentimentos, tantas vontades que nem que eu quisesse conseguiria enumerá-las. Ainda que já tenha se passado um ano, tantas coisas aconteceram que ainda não consigo reconhecer tudo. Nem mesmo aquela imagem refletida no espelho eu ainda consigo reconhecer por inteiro. Consigo enxergar uma mulher com alguns quilinhos a mais, com os cabelos curtos e cheios de cachinhos involuntários, mas que eu ainda não sei se sou eu. Uma mulher que, apesar da minha dificuldade em reconhecer, passou a enxergar a vida com lentes de aumento, tentando atribuir o real valor às coisas que realmente importam. Enxergo uma mulher que se permite sentir a tristeza, a dor, a solidão, a dúvida, o medo, mas que também se permite sonhar, em meio a todas dúvidas, com uma vida melhor e mais significativa. Uma mulher que permite receber ajuda do outro, o amor e carinho incondicionais dos que a cercam. Uma mulher que se permite sorrir quando quer sorrir e que, acima de tudo, se permite chorar, sem medo ou culpa, quando quer chorar. Uma mulher cujo maior medo é de voltar a ser, simplesmente, o que era antes, mas cuja maior vontade é de viver, cada dia de uma vez, como se não houvesse amanhã.

(*) trecho do meu diário datado de 24 de novembro de 2014.

Saturday, May 16, 2015

*** Felicidade sem fim! ***

(*) Chorando de alegria!
Nunca imaginei que um dia eu ia ser invadida por uma felicidade tão verdadeira (e nada clandestina! hehe). Um sentimento delicioso tomou conta de mim desde a última quinta-feira, dia 14 de maio de 2015. Esse dia tem um significado MUITO especial para mim. Especial, pois uma etapa do meu tratamento acabou. Uma etapa dolorosa, cheia de percalços, altos e baixos, mas ela ACABOU. Ainda terei os efeitos colaterais dessa última dose de químio, mas quem se importa? Serão os últimos efeitos colaterais causados por quimioterapia. Últimos. Não, eu ainda não estou acreditando nisso. E cada vez que penso, só consigo sorrir e sentir uma leveza enorme. Sinto vontade de gritar para o mundo que eu estou livre da quimioterapia. Sei que não temos certeza de nada nessa vida, pois tudo acontece por algum motivo, mas, ao mesmo tempo, dentro de mim tenho tanta certeza que nunca mais precisarei passar por isso que nem sei como explicar. Claro que se tiver que passar de novo, vestirei as minhas armaduras junto com o meu mais lindo sorriso para encarar tudo de frente, mas isso não vai acontecer... tenho muita vida para viver ainda. Tenho muito o que aprender e não quero mais aprender pela dor. Quero apenas aceitar, confiar, entregar e agradecer!

Hoje, mais do que nunca, a minha felicidade transborda junto com as minhas lágrimas da mais pura alegria e amor. Estou tão emocionada e feliz que nem tenho conseguido responder mensagens sem chorar um pouquinho! hehehe... Vontade de sair abraçando todo mundo que esteve por perto seja fisicamente, seja por meio de mensagens, de pensamentos, de vibrações, de orações, de mimos, de flores, de palavras... enfim, não importa como, mas sempre se fizeram presentes de alguma maneira e eu recebi tudo de braços e coração abertos. Vontade de distribuir sorrisos, de olhar nos olhos e de agradecer muito a cada um por toda força, por todo amor, por todo carinho, por todo apoio. A guerra ainda não acabou, mas o importante é que eu vou comemorar cada etapa e cada batalha vencida em busca da cura!!!

Gratidão imensa! Felicidade sem fim!

Sunday, March 22, 2015

Cabelo, Cabeleira, Cabeluda, Descabelada

Estávamos passando alguns dias em Embu-Guaçú logo no início do ano novo. Meu oncologista - Dr. (querido) Daniel - já havia me alertado sobre a alopecia (ou queda dos meus fios de cabelo): a partir do 15o. dia após a primeira sessão de quimio o couro cabeludo começará a doer e o cabelo começará a cair. Pelas minhas contas, o tal 15o. dia cairia exatamente no dia do meu aniversário, 1o. de janeiro (baita presente!). Pois bem, como esperado, no dia 31 de dezembro tive uma dor de cabeça bem chatinha acompanhada de dor no couro cabeludo. Não é uma dor insuportável nem um bicho de sete cabeças, mas dor é dor. Pode ser comparada à dor que segue penteados bacanas pós-casamento: depois que a festa acaba, o couro cabeludo reclama. A dor é bem semelhante a essa!

No primeiro dia do ano, conforme previsto, minhas madeixas começaram a cair. No início, foi uma queda um pouco "tímida". Caía um tufo aqui, outro ali, nada demais. Já no dia seguinte, a queda aumentou consideravelmente. Ao acordar, percebi que meu travesseiro e meu pijama estavam cheios de fios. Durante o dia, eu ia deixando fios por onde quer que eu passasse na casa. "Não fica passando a mão no cabelo", minhas irmãs insistiam, mas era como se falassem para a criança não pegar mais balas do baleiro cheio, ou seja, de nada adiantava. Quanto mais eu passava a mão na minha cabeça, mais tufos grossos de cabelo saíam nas minhas mãos. Fiquei imaginando como teria sido caso eu não tivesse cortado meu cabelo curto dias antes.

Fui para o banho e, ao sair do chuveiro, uma bola de fios de cabelo saiu comigo. Pedi uma escova emprestada para a minha mãe. Enquanto eu me olhava no espelho do banheiro, meus cabelos se emaranhavam cada vez mais na escovinha. Eram muitos e eu não tinha muito o que fazer. Foi deprimente ver meu cabelo caindo daquele jeito. Na medida em que passava a escova no meu cabelo, minhas inevitáveis lágrimas escorriam pelo meu rosto. "Mãe, hoje é o último dia que eu penteio meu cabelo". "O último dia dessa fase, filha!". "Sim, o último dia dessa fase, mas é o último dia".

A casa estava cheia aquele dia e eu preferi não deixar nossos convidados para ir ao centro da cidade com a minha mãe. Estava decidida, mas sabia que precisava fazer as coisas no melhor momento. Sendo assim, combinei com a minha mãe de irmos ao centro da cidade no dia seguinte. Esperei o sábado chegar (dia seguinte), acordamos, tomamos café, peguei o lenço que eu tinha comprado no natal para a ocasião e fomos de carro para o centro procurar uma cabeleireira disponível. Da janela do carro, os fios que ficavam entre meus compridos dedos eram levados pelo vento.

Tentamos o salão de cabeleireiras que minha mãe conhecia, mas estava fechado. Na mesma rua, um pouco mais à frente dali, encontramos um salão pequenino, de portas envidraçadas e paredes roxas. Uma mulher (que parecia ser a cabeleireira) estava sentada na cadeira para atender os clientes, como se estivesse esperando alguém chegar. Pedi para a minha mãe estacionar o carro e, em seguida, fomos até o salão. Além da mulher que vimos lá logo que entramos no salão (que, de fato, era a cabeleireira), havia outras três mulheres: uma recepcionista, uma manicure e uma cliente fazendo as unhas. Conversei com a cabeleireira para saber se ela podia me atender naquela hora para cortar o meu cabelo:

- ... na verdade, é mais simples do que isso: quero raspar a cabeça.
- Mas você tem certeza de que você quer raspar esse cabelo lindo?
Sim... eu PRECISO.
- Hmmm... ok. Veja com aquela moça ali (a recepcionista) que, se eu não tiver ninguém marcado agora, eu posso te atender.
- Ok.

Enquanto fui perguntar à moça sobre a disponibilidade da cabeleireira, ela saiu do salão para cumprimentar uma amiga lá fora. Sentei na cadeira e esperei a cabeleireira voltar. Olhei para o espelho que estava na minha frente, tentando capturar, uma última vez, a minha imagem com aquela carinha e aqueles cabelos. Eu sabia que não tinha muito mais o que fazer, estava determinada.

- Posso te perguntar o porquê você precisa cortar os cabelos?
- Porque eu estou doente.
- É muito grave?
- Sim, é câncer.
- Vai ficar tudo bem.
- Dói muito? Porque meu couro cabeludo está dolorido.
- Não dói nada!

E assim, com sua mão esquerda sobre a minha cabeça, como se fizesse um carinho, ela começou a passar a maquininha com a mão direita. Realmente não dói nada. Como em uma orquestra, as lágrimas caíam junto com os cabelos. Minha mãe permanecia em pé ao meu lado, mas eu não tive coragem de olhar pra ela nem por um instante. Olhava firme para o espelho à minha frente.

Logo na primeira consulta com o Dr. (querido) Daniel, ao falar sobre o tratamento e todos os seus efeitos colaterais certeiros, ele mencionou a possibilidade de eu usar perucas. Havia falado sobre uma senhora que produziria uma peruca tão perfeita e tão fiel ao meu "cabelo de verdade" que ninguém ia perceber. Ainda sim, eu não quis. Não quis porque, dentro de mim, eu sempre ia saber que estava vivendo uma mentira. Não quis porque achei que fosse ficar estranho. Não quis porque achei que devesse enfrentar tudo de frente e da forma mais verdadeira que eu encontrasse. Enfim, não quis por "n" motivos. No entanto, teve um dia que eu pensei em colocar a peruca: um dia em que estava pensando como seria o retorno para o escritório e como seriam todos os olhares estranhos pra mim. Fossem de estranhamento, de pena, de surpresa, eu não queria enfrentá-los e pensei que a peruca fosse uma boa saída pra isso. Além disso, achei que eu fosse ficar feia, que ninguém mais fosse olhar para a Fernanda como ela sempre foi e sim, como uma outra pessoa. Nesse dia conversei com uma das minhas grandes amigas que, inclusive, passou por isso com uma pessoa muito próxima da sua família. Ela imediatamente me puxou pra realidade:

- VOCÊ ACHA QUE VAI FICAR FEIA?
- Acho...
- Não vai não.

E começou a me mostrar contas do instagram de outras mulheres que passaram/estavam passando pelo mesmo tratamento ao qual eu estava me submetendo. Mulheres que, assim como eu, estavam indo para a academia, correndo, malhando e supreendentemente carecas. E lindas. E cheias de força. E determinadas. E com vontade de viver.

- Mas como vão olhar pra mim no escritório? Eu não quero receber olhares estranhos só por conta da minha falta de cabelos na cabeça.
- Ah então você quer usar perucas por causa dos outros? Se você quiser usar peruca por SUA causa, porque vai se sentir melhor, aí tudo bem... mas pelos outros? Oi? Olhares "diferentes" você vai receber com ou sem peruca por "n" motivos. Aí vai de você saber lidar com isso, oras. Mas não faz o menor sentido você fazer alguma coisa porque os OUTROS vão te olhar diferente.
- É... você tem toda razão.

Nunca mais pensei em colocar uma peruca. E, no fim, ainda bem que não gastei dinheiro mandando fazê-la porque o calor que fez nesse 2015 não estava escrito em nenhum gibi. Passei tanto calor de lenço, imaginem se eu usasse a tal peruca!!!

A cabeleireira terminou de raspar minha cabeça e eu até que não fiquei parecendo o monstro do lago Ness ou qualquer outro bicho horrendo. Eu continuava sendo eu, só que com um peso a menos na cabeça (literalmente). Meu couro cabeludo já não doía e as lágrimas já tinham secado há algum tempo. Minha mãe se aproximou para me dar o lenço, "se você quiser, eu raspo meu cabelo agora. Sento aí e peço para ela raspar minha cabeça também". Não, mãe, não precisa. "Tem certeza, Fê? Porque se você quiser eu raspo e fico igual a você". Tenho certeza, mãe, não precisa cortar o cabelo. Ela então pegou um tufo de fios caído no chão e colocou na bolsa "de lembrança".

Quando levantei, as outras três moças estavam olhando pra mim. Olhos arregalados, não emitiram qualquer som. Eu, em contrapartida, peguei o lenço na mão, mas não o coloquei na cabeça. Pagamos e fui me despedir da cabeleireira. Ela era baixinha, de cabelos escuros. Estava visivelmente emocionada. Perguntei o seu nome (Lú), nos abraçamos "vai ficar tudo bem! Vou ficar te esperando para fazer um corte de cabelos de verdade". Pode deixar que eu volto!

Amarrei o lenço no shorts e saí do salão de cabeleireiras. Acabei me sentindo mais leve, menos tensa... pronta para enfrentar o mundo com o meu novo visual.



"Cabelo quando cresce é tempo". (Cabelo, Gal Costa)