Ele estava ali, parado na frente de um hostel qualquer, esperando. De um lado, seu violão dentro da capa preta, apoiado na parede. Sobre o vão da janela, uma garrafa de vinho aberta. No vão entre o vinho e o violão, estava ele, com o seu celular na mão, esperando ela chegar.
(*) Foto: "O sol e as sombras" (gentilmente cedida pelo querido António Delicado) |
Abraçaram-se com um abraço quentinho como se não se vissem há tempos (quando, na verdade, estavam separados há apenas uma tarde). Fazia muito frio naquela noite. Ela havia subestimado o frio; ele, por sua vez, usava um poncho. Caminharam lado a lado até a pracinha da cidade, conversando, sem pressa.
Quando chegaram, ele deixou o violão de um lado e a garrafa de vinho de outro. Ela descruzou os braços, tentando decifrar o que aconteceria em seguida. Quando finalmente ficaram frente a frente, trocaram olhares. Ele, então, a puxou pela cintura e a beijou com um beijo gostoso, sem pressa.
Conversaram sobre a vida, viagens, loucuras, limitações, família, expectativas... o frio fazia com que os dois ficassem cada vez mais próximos. Ele, preparado para a noite fria; ela se aninhando embaixo de parte do seu poncho. Suas mãos se encontravam e desencontravam, como deveria ser. A mão dela encontrava a barba dele enquanto a mão dele procurava o seu cabelo escondido sob o capuz. A expectativa criada antes de cada beijo causava arrepios. Uma tensão gostosa fazia com que eles tivessem cada vez mais vontade de estarem perto um do outro, assistidos apenas pelo céu cheio de estrelas.
Entre um assunto e outro, se beijavam. Ele estava vivendo longe de casa, por opção própria. Ela só tinha aquela noite antes de voltar para a sua casa, também por opção própria. Naquela praça, em meio ao vinho, às palavras soltas ao vento e às pessoas que ali passavam, ela ouviu coisas que a fizeram refletir. Ele falava coisas que a interessavam. Ela o escutava atentamente e, de vez em quando, deixava seu ombro para olhá-lo com certa admiração. No seu íntimo, ela o achava corajoso demais por se aventurar daquela maneira, ainda que por tempo determinado.
O frio aumentava. Os corpos se entrelaçavam um ao outro cada vez mais. Ele exalava um cheiro bom de homem, de boas energias, de aventuras por vir. Ela exalava um cheiro bom de mulher, de redescobertas, de conquistas, de vontades.
Saíram da pracinha principal da cidade, de braços dados, caminhando pelas ruas de terra. Ele despertou nela vontades até então adormecidas; sede por aventuras, coisas novas. Ela, por sua vez, não queria que ele fosse embora. Queria que ele ficasse mais, que a noite não acabasse.
Ficaram juntos por mais tempo que ela imaginava (e menos do que gostaria). Ao se despedirem, trocaram beijos, carinhos, palavras e olhares. Como se já se conhecessem há tempos. Como se já tivessem percorrido todo aquele trajeto inicial de se conhecer alguém, sem que o estranhamento tivesse, de fato, acontecido. Sem falsas promessas, sem enganos passageiros.
Ele saiu caminhando pela rua de terra, naquela escura noite de segunda-feira. Andarilho, sozinho, foi ganhar e desbravar as novas estradas que a vida queria lhe apresentar. Carregava sua garrafa de vinho de um lado, seu violão de outro, o sorriso fácil no rosto, o coração cheio de amor e um monte de sonhos na cabeça.
Ela ficou parada no portão por mais alguns segundos, apenas assistindo-o ir, com vontade de pedir para ele ficar. Só mais um pouco. Só mais um gole. Talvez mais uma música. No entanto, já era tarde, já não havia mais volta. Abriu o portão para a sua antiga realidade, sem deixar de carregá-lo em sua memória e em seu coração.